Tendência
Estados e empresas, desde sempre, procuram influenciar o tabuleiro geopolítico e geoeconómico socorrendo-se sobretudo daquela que hoje assume o carácter de principal arma: a informação, há muito no lugar do capital e da energia como principal matéria-prima. Este facto gera, respectivamente, inúmeras oportunidades e variadas ameaças, para quem a saiba dominar ou para quem dela não faça o melhor uso.
Começam a ser mais alvo de atenção os sinais de estratégias de influência que têm por base verdadeiras acções de guerra da informação e que englobam processos de intoxicação, desinformação, manipulação e de desestabilização para fazer impor desígnios estratégicos, de Estados e/ou empresas.
Um bom exemplo do poder da informação: a 25 de Junho, as acções do quarto maior grupo farmacêutico mundial, o Sanofi-Aventis, caíram após a publicação de uma nota de um analista financeiro da UBS, em Londres, que citava estudos que demonstravam o aumento do risco de cancro em pacientes que tomavam a insulina Lantus, um medicamento líder mundial.
O título caiu de 12,7 por cento e tudo com base num rumor iniciado por um diabetologista que trabalhava num produto concorrente, nos Laboratórios Eli Lilly e Amylin, dos EUA. O grupo francês deu uma resposta imediata, recorrendo a um painel de peritos independentes que concluíram os limites e as contradições de quatro novos estudos publicados, entretanto, na revista “Diabetologia”. Mas o mal, que podia ter tido uma dimensão muito maior, ficou na mesma feito, com graves prejuízos para empresa alvo da agressão informacional.
Uma Guerra de Informação... Nuclear!
Outro bom exemplo de guerra de informação é o caso relatado, em Outubro, pelo jornal francês Libération sobre o transporte de resíduos radioactivos franceses para a Sibéria. Segundo o diário, a Areva transporta resíduos radioactivos da eléctrica EDF para o complexo siberiano Tomsk-7m, gerido pela empresa russa Temex. As duas empresas francesas asseguram que não são resíduos, mas apenas “matéria radioactiva” reciclável, uma versão rejeitada por ecologistas e especialistas.
Ora, este é apenas um pequeno episódio de um confronto informacional e mediático entre as duas partes da contenda, marcado por inúmeros episódios deste género. Em traços gerais, a estratégia das duas partes é sempre igual. Os industriais falam em calúnias, dizem respeitar todas as normas, que adoptam metodologias rigorosas e comprovadas e ameaçam processar os meios de comunicação e pessoas que dizem tais mentiras; enquanto do lado dos ambientalistas há acusações de “gestão escandalosa de resíduos” em locais que o Comissariado de Energia Atómica qualifica como “referência nacional”, o que leva a que acusem também as autoridades de má fiscalização ou mesmo cumplicidade com práticas ilegais.
Esta cortina de (des)informação, embrulhada em inúmeras explicações e dados técnicos, nada ajuda à decisão do público e mesmo dos políticos, confrontados em permanência com argumentos díspares sobre matérias demasiado complexas. Os militantes anti-nuclear multiplicam-se em ataques informacionais na imprensa, na Internet ou em manifestações, mas não conseguem que os industriais se expliquem... pois as calúnias não se explicam.
Guerra pelo controlo do futuro mercado automóvel...
Ainda outro bom exemplo dos jogos de influência, note-se como a recente anulação da decisão de venda da Opel/Vauxhall por parte da General Motors provocou reacções diversas nos vários interessados no negócio. A GM preparava-se para entregar a empresa à fabricante de peças de automóveis austro-canadiana Magna e ao banco russo Sberbank.
Os britânicos ficaram satisfeitíssimos com esta anulação, pois o êxito da negociação significava o fim das fábricas britânicas, e o grupo Magna parece estar de acordo. Em contrapartida, os alemães reclamam, pois o acordo era do seu agrado, os russos mostram-se desagradavelmente surpreendidos e as autoridades europeias aguardam novos desenvolvimentos. Quanto à GM afirma ter “rasgado” o acordo, dadas as alterações de perspectivas quanto à “melhoria” do contexto económico na Europa, dada a melhor “saúde financeira” e “a importância da Opel/Vauxhall” para a sua estratégia internacional.
A mudança de decisão dos americanos provocou um claro incómodo a Berlim e Moscovo. O governo alemão fez notar o “espanto” e a “cólera” e a preocupação do executivo de Merkel é agora recuperar os 1,5 mil milhões de euros cedidos pelo governo para manter a Opel à tona de água durante as negociações. Da parte de Putin a reacção foi igualmente firme, já que apoiava os planos do consórcio Magna/Sberbank para investir no desenvolvimento da indústria automobilística russa. Agora, as portas estão menos abertas e o aviso foi já dado pelo porta-voz do primeiro-ministro russo: “há outras grandes empresas automobilísticas a concorrer com a Opel no mercado russo, pelo que o optimismo exagerado da GM, no que respeita ao melhoramento da conjuntura, neste contexto, pode ser infundado”.
Se é verdade que o acordo com a Magna evitaria despedimentos em massa na Alemanha, o mesmo não sucederia na Polónia, Espanha, Bélgica e Reino Unido, que agora respiram de alívio e aguardam com esperança novidades desta guerra pelo controlo do futuro mercado automóvel.
Guerra de informação ao serviço dos sindicatos
E também os sindicatos aderiram já às estratégias de guerra de informação, características, entre outras associações, das ONG. A procura de um debate de ideias foi substituída por múltiplos combates de informação, com mensagens bem dirigidas a empresas ou responsáveis políticos, capazes de fazer passar uma visão limitada, mas mobilizadora, que provoca danos nos alvos, obrigados a defenderem-se.
Um exemplo recente em França, que se destaca pela seriedade e implicações, é o caso dos 32 suicídios de funcionários da France Telecom. Para os sindicatos, a justificação é simples: a culpa é da pressão exercida pela empresa sobre os trabalhadores. Uma visão obviamente redutora, mas, da perspectiva dos sindicatos, eficaz.
A France Telecom é a má da fita, ainda que estatísticas revelem que os 32 suicídios numa empresa com a dimensão da France Telecom estão abaixo da média nacional. Mas isto a France Telecom não soube explicar e, mesmo que o fizesse, o mal estava já feito pela eficácia da mensagem dos sindicatos, clara, curta, concisa e vaga o suficiente para não poder ser liminarmente rejeitada: as pressões da empresa favoreceram os suicídios, até porque há uma ou outra carta onde as mesmas são referidas como causas.
Sem esquecer a perda maior (a vida das 32 pessoas que se suicidaram), a reputação da empresa saiu muitíssimo afectada de toda esta situação e, face às pressões informacionais, anunciou um investimento de mil milhões de euros para evitar mais suicídios (não se percebe como...).
A informação tem um valor incalculável, mas, neste caso em concreto e, mais ainda, nos outros relatados, podemos já adiantar que vale seguramente mais de mil milhões de euros. Bem mais...
André Gonçalves Nunes