“Quem não tem Inteligência Económica perde sempre”
Alain Juillet, figura de topo da Inteligência Económica, esteve em Lisboa para uma conferência da Business Intelligence Unit (da AICEP), dirigida por Joana Neves, mas antes falou à TDSnews.
É um homem da gestão de topo, dirigiu grandes empresas, e é também um homem de topo na intelligence... Isso faz de si uma das únicas pessoas bem familiarizadas com ambos os mundos. Além disso, fez a síntese destes dois mundos quando foi alto responsável pela inteligência económica junto do primeiro-ministro. Foi também muito próximo de presidentes da República. Tudo isto o torna uma pessoa excepcional, com uma perspectiva única sobre o Mundo... Posso perguntar-lhe como o vê?
Eu penso que, depois de passada a crise financeira, vamos viver uma época de mudança muito importante, mudança do poder detido pelos europeus e pelos americanos para a Ásia. Eu julgo que há uma transformação do equilíbrio do mundo e que esta mudança de equilíbrio vai alterar progressivamente todas as regras do jogo. E isto será muito importante.
Não quero dizer que os europeus já perderam, quero dizer que é preciso saber o que fazer com a mudança, senão perdemos mesmo. Isto para mim e o fundamental na visão do mundo actual.
Em segundo lugar, temos o problema financeiro ocidental, onde percebemos que a Finança considera estar acima das leis nacionais para praticar uma política internacional que não é do interesse dos estados. E isto coloca uma grande questão de fundo, porque, se os financeiros não jogam segundo regras definidas, teremos um grande problema no futuro.
Neste mundo hiper-competitivo que é o nosso, considera possível a afirmação ou mesmo a sobrevivência de um Estado ou de uma empresa que não se dote de capacidades de Inteligência Competitiva?
Eu julgo que cada vez mais será difícil para as empresas ou os estados que não utilizam a Inteligência Económica dar resposta aos problemas que encontram. Estou seguro disto porque o mundo está a tornar-se cada vez mais competitivo, os concorrentes estão muito melhores, e, portanto, se quisermos ganhar ou manter vantagem sobre a concorrência, é preciso ter boas informações para poder antecipar o que se vai passar e fazer-lhes face. Por isso, sim, eu creio que, hoje, se uma empresa e um estado não tiverem boas informações sobre a situação económica dos seus concorrentes e do mundo ficam numa situação cada vez mais difícil.
(...) é preciso saber o que fazer com a mudança, senão perdemos mesmo. Isto para mim é o fundamental na visão do mundo actual (...)
Exactamente, é isso. É necessário afirmar-se porque aquele que não é combativo, no mundo actual, perde e é o mais combativo que ganha. E é necessário também que seja capaz de resistir face à concorrência, e aí também é preciso ter os meios para se bater. E o primeiro meio para se bater, no caso dos homens, são os elementos de informação que permitem tomar a boa decisão.
O que une inovação, competitividade e Inteligência Económica?
Para mim a inovação é a capacidade de criar novos produtos, novos serviços e novas actividades que são realmente diferentes das que já existem. Ou seja, que geram uma ruptura. Porque, hoje, vivemos num mundo onde se “inova” através da declinação de produtos, serviços e actividades, com melhorias graduais. Mas, o mais difícil é ter uma verdadeira ruptura, uma verdadeira inovação. Se nós queremos fazer face à concorrência e formos capazes de inovar, criamos uma vantagem concorrencial em relação aos outros. Se criamos algo totalmente novo, os outros vão tentar ver como o podem copiar e perdem tempo, o que nos dá vantagem.
A competitividade é outra coisa, é a capacidade de uma empresa ou estado encontrar nos recursos humanos, materiais, etc., os meios para competir de igual para igual com os concorrentes. Nós não podemos ser bons em tudo, é impossível, mas, pelo menos, é necessário que em certos domínios nós sejamos verdadeiramente melhores que os outros, ou seja, competitivos.
Eu penso que os americanos definiram bem o que denominam por inteligência competitiva, quando dizem que o que conta são os concorrentes e não o mercado. Se nós conhecermos os concorrentes, conhecemos as falhas, as qualidades, sabemos onde somos melhores que eles e onde podemos ser competitivos.
A guerra económica é (...) a utilização de todos os meios, da inteligência económica, mas também da capacidade das empresas e também, nível dos estados, do sistema legal, tudo o que pode servir, no quadro da actividade económica para destruir uma empresa ou uma actividade feita pelo outro. E muito e cada vez mais entre estados.
E para ser inovador é preciso praticar a inteligência económica, porque é necessário ter muita informação para compreender o que se passa, e para ser competitivo também a inteligência económica é necessária para saber o que fazem os concorrentes, como se comporta o mercado. Para ser melhor, na inovação e na competitividade, é preciso Inteligência Económica. É mesmo indispensável.
O senhor tem uma perspectiva única sobre as ONG...
Temos hoje, no mundo actual, um problema de comunicação em todos os domínios. Porque a Imprensa, a Rádio, a Televisão, a Internet passam inúmeras informações e cada um procura comunicar através de todos estes meios. A comunicação tradicional funciona cada vez menos. Ou seja, se antes bastava dizer que esta garrafa de água é a melhor garrafa de água e isso vendia, hoje isto já não é suficiente. Hoje, é preciso explicar porque se deve comprar e as agências de comunicação sabem muito bem como fazê-lo.
Mas, desde há alguns anos, noto que temos um meio de chegar às pessoas que é mais eficaz que a tradicional comunicação publicitária: a influência… Ou seja, chegar às pessoas jogando sobre o campo emocional, para os seduzir. É outra forma de comunicação, através da qual enviamos mensagens que agem sobre o coração e não sobre razão para estabelecer uma ligação emocional e fazer as pessoas agir.
Constato que as empresas e os estados já compreenderam muito bem isto e questionaram-se sobre quais são as organizações que no mundo são hoje capazes de enviar essa mensagens e tocar as pessoas. E aperceberam-se que as melhores são as ONG. Porque as ONG são criadas por pessoas com fortes convicções e que defendem através dessas organizações as suas ideias. Ao olharem para as ONG, os estados e empresas questionaram-se sobre o porquê de não utilizar a mesma abordagem para fazer passar os seus produtos ou as suas ideias.
E o que vejo hoje é que cada vez mais ONG no mundo, digo 70%, são organizações controladas pelos estados ou por empresas. E há poucas ONG, 30%, realmente claras. Eu respeito muito as ONG, mas há muitas que defendem ideias que não creio serem do interesse geral.
(...) cada vez mais será difícil para as empresas ou os estados que não utilizam a Inteligência Económica dar resposta aos problemas que encontram.
Creio que todos nós devemos estar atentos para percebermos que há boas ONG, com ideias verdadeiras, mas não sermos vítimas de outras ONG controladas pelos estados ou por empresas.
A propósito da cana-de-açúcar do Brasil. O desenvolvimento sustentável é também um assunto que lhe interessa muito...
Sobre o desenvolvimento sustentável tenho uma teoria muito pessoa. Creio que há um legítimo interesse em chamar a atenção para os riscos do planeta, porque é preciso pensar nas gerações futuras e que cada pessoa tome consciência disso. Mas, tal como referi para as ONG, não podemos ser vítimas de um discurso catastrófico de que o planeta está em risco de morte breve, porque ainda me lembro do relatório do Clube da Europa que nos anunciava que no ano 2000 seria o apocalipse, por falta de uma série de recursos, de petróleo, etc.… Mas já passámos o ano 2000 e até não vivemos mal e ainda há petróleo. É preciso estar atento ás questões do desenvolvimento sustentável, mas não se pode ir demasiado longe.
Para mim o importante é a dúvida, é preciso duvidar…. Dou-lhe um exemplo, a Gronelândia [Greenland], tem um nome que significa país verde. Se lá formos hoje não é verdade que seja um país verde, mas há mil anos toda a parte sul da Gronelândia era uma gigantesca pastagem, onde se vivia muitíssimo bem. Hoje, dizem-nos que o degelo da Gronelândia vai provocar um cenário catastrófico em todo o globo, mas atenção que há mil anos o país era verde, não havia gelo, e no resto do mundo não tínhamos inundações. Eu não digo que não estamos a assistir a uma degradação, mas não podemos ir demasiado longe.
Como tenho uma formação em inteligência económica pergunto, porque é que as pessoas vão demasiado longe? É verdade que há pessoas que estão honestamente convencidas que a situação é má, mas há situações menos claras a correr em pano de fundo. Por exemplo, em relação à concorrência dos países emergentes, para fazer face à supressão das barreiras aduaneiras, há a ideia de alguns estados se servirem da poluição praticada por todos para dizer que vão implementar medidas de protecção ambiental dispendiosas. Mas como os outros não têm possibilidade de fazer o mesmo, vão ser aplicadas taxas nas importações. Ou seja, cria-se uma barreira aduaneira indirecta, usando o desenvolvimento sustentável como justificação. Por isso, quando falo de desenvolvimento sustentável digo que sim, é preciso preocuparmo-nos com o planeta, mas não podemos exagerar e temos de duvidar.
Mas o aceleramento dessa pressão já valeu um prémio Nobel…
Sim, é verdade, mas vivemos num sistema onde o negativismo é muito importante. Em França, há um ano, toda a gente falava de desenvolvimento sustentável, mas hoje, depois do desastre, pelo menos parcial, da Cimeira de Copenhaga, as pessoas não falam do desenvolvimento sustentável. Houve, a meu entender, uma mediatização e manipulação da informação, porque se assim não fosse toda a gente continuaria a falar disso. Com a inteligência económica aprende-se a duvidar e com a dúvida aprende-se a medir.
Guerra económica, guerra de informação... duas expressões sempre presentes no discurso de Inteligência Económica, pode explicar-nos cada um destes conceitos?
Estamos a falar de duas coisas muito diferentes. A guerra da informação traduz-se, por exemplo, nas campanhas de comunicação, não de informação mas de desinformação, feitas para destabilizar um mercado, um concorrente ou um consumidor que compra um produto concorrente. Para mim é o combate permanente entre os que informam e os que desinformam. A desinformação tem por objectivo neutralizar ou atingir o outro no plano das ideias. Do outro lado, a informação age de um modo mais objectivo. A partir do momento em que há alguém que informa e alguém que desinforma temos uma guerra de informação que só termina com a vitória de um. A palavra guerra pode parecer muito forte, mas a verdade é que estes confrontos têm, muitas vezes, consequências terríveis.
A guerra, na “guerra de informação” , pode parecer muito forte, mas a verdade é que estes confrontos têm consequências terríveis… E se o atacado é uma pessoa pouco pode fazer para se defender e quando se souber a verdade é… tarde!
A guerra económica é para mim outra coisa. É a guerra total, é a utilização de todos os meios, da inteligência económica, mas também da capacidade das empresas e também, nível dos estados, do sistema legal, tudo o que pode servir, no quadro da actividade económica para destruir uma empresa ou uma actividade feita pelo outro. E muito e cada vez mais entre estados.
Vemos em todo o mundo que esta é uma situação corrente. Actualmente, vemos certos actores financeiros, como os edge-funds, que têm uma técnica bem conhecida que consiste em destabilizar as empresas onde querem entrar para provocar a queda das acções, fazer depois a recuperação e vender com lucro. Quando vamos mais longe nesta análise, temos, por exemplo, edge-funds e bancos que decidem atacar, através da Grécia, o Euro e se o fizerem cair tudo é afectado e isto é guerra económica, é uma situação muito grave, porque todo o sistema económico europeu está em risco e se este for afectado ficamos vulneráveis em relação a todas as outras partes do mundo.
Todo o projecto europeu pode ser posto em causa…
Exactamente, por isso mesmo digo que esta é uma situação de guerra económica. E neste momento a seriedade do assunto está a criar na Europa a vontade de impor regras para evitar que isso suceda. Como nas guerras convencionais temos de respeitar a Convenção de Genebra, é necessário que no campo económico a guerra se faça num quadro de regras.
Hoje, o Estado moderno depara-se com um paradoxo: a tendência para exigirem dele coisas para as quais são necessários meios que lhe são retirados…
(...) a inteligência económica é justamente esta capacidade de ir para lá do que dizem os políticos e os sindicatos e ver os factos.
Mas, em relação a este paradoxo de que falamos, que contributo pode dar a inteligência económica para o resolver?
Sim, julgo que há coisas que se podem fazer. As populações estão cada vez mais instruídas, do ponto de vista intelectual, e, por isso, chegamos a um ponto em que é necessário dar mais explicações. E os políticos não podem explicar porque não acreditamos… E do lado dos que pedem, como os sindicatos, não há interesse em discutir, dizem apenas que querem algo. E precisamos por isso de encontrar intermediários do estado e da sociedade em geral para fazer passar as informações o mais reais possível sobre a verdade. E as pessoas descobrem o que se passa.
A Inteligência Económica é a base de toda a estratégia. (...) toda a acção deve começar pela recolha de intelligence, sem a boa informação, sem a intelligence, nada se pode fazer. E se os outros a têm então perdemos.
Se queremos manter a actual situação temos de baixar o valor das reformas e aumentar os impostos. E se isto for explicado talvez as pessoas entendam que o aumento da idade de reforma até não é mau. Esta capacidade de olhar cruamente para os números e para a realidade é inteligência económica. Porque a inteligência económica é justamente esta capacidade de ir para lá do que dizem os políticos e os sindicatos e ver os factos. Cada um pode ter a sua ideologia, mas é necessário que sobressaiam os factos, a informação real e não as considerações subjectivas sobre esses factos.
Isso lembra-me um autor português do séc. XVII que penso ter sido o primeiro a usar a expressão “ter a inteligência das coisas”…
Sim, e di-lo com toda a razão, é necessário ter a inteligência da situação e é sobretudo necessário ter dúvidas em permanência. A inteligência económica aplica-se a inúmeros domínios diferentes, a sua metodologia encontra-se no desporto, no turismo, na cultura, porque na realidade para lá da técnica, a inteligência económica é um estado de espírito, uma procura permanente de intelligence, para a cada momento, sabermos dar resposta à questão sobre qual o caminho a seguir. A Inteligência Económica é a base de toda a estratégia. É indiscutível que, como diz Sun Tzu, toda a acção deve começar pela recolha de intelligence, sem a boa informação, sem a intelligence, nada se pode fazer. E se os outros a têm então perdemos. Lembro-me do filme “Os Sete Samurais” onde numa cena dois samurais se vão confrontar, estão parados em frente um do outro e a dado momento um diz: “eu perdi”. E não é porque o outro é mais forte, é porque ele vê que o outro está de costas para o sol… enquanto ele está de frente e isso vai afectar-lhe a visibilidade… É isto a intelligence… a inteligência da situação…
José Mateus Cavaco Silva & André Gonçalves Nunes
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