Wednesday, March 21, 2012

André Magrinho revela o "O Maior Défice de Portugal: a Falta de Inteligência Económica e Estratégica"

Excelente artigo de André Magrinho, publicado hoje no site Inteligência Económica, sobre "O Maior Défice de Portugal: a Falta de Inteligência Económica e Estratégica".

O pai e a mãe de todos os défices

O nosso maior défice é, há muito, o défice de inteligência. Deste défice resulta um vazio estratégico que é fatal tanto para o País como para as empresas e os cidadãos, condenando ao fracasso todos os esforços na busca de desenvolvimento económico e segurança, em Portugal. O défice de inteligência é assim o pai e a mãe de todos os nossos défices… Há muito que a equipa do ‘Inteligência Económica’ tem isto bem claro. Foi, aliás, essa certeza que nos levou à criação deste pioneiro e inovador portal de ‘IE’, a estabelecer relações com a École de Guerre Économique (que assegurou os mestrados e doutoramentos dos primeiros universitários portugueses a trabalhar esta novíssima área de saber), a incentivar os primeiros mestrados e doutoramentos realizados em Portugal sobre o tema, a criar na SEDES o primeiro grupo de trabalho sobre ‘IE’, a dinamizar as vindas a Portugal de Alain Juillet, Alain Bauer e Christian Harbulot… Hoje, é com imenso prazer que publicamos esta análise de André Magrinho (o primeiro doutorado português em ‘IE’) sobre “o maior défice de Portugal”.

O Maior Défice de Portugal: a Falta de Inteligência Económica e Estratégica

A falta “inteligência económica e estratégica” é, seguramente, o maior défice com que Portugal se confronta, porque lhe cerceia a informação e o conhecimento e, como tal, inibe-o na ação. Na verdade, a “inteligência económica e estratégica” é uma condição fundamental para se agir proactivamente na economia global e em mercados hipercompetitivos, num ambiente de “guerra económica” como o que atualmente se vive, absolutamente incompatível com a visão retangular do país que ainda predomina em muitos sectores da sociedade portuguesa. Falta-nos, no dizer do heterodoxo Padre Vieira, a "inteligência das coisas", para a qual, aliás, José Mateus e a sua equipa, tanto no Claro como neste Portal, têm incansavelmente e desde há anos chamado a atenção.

Ao longo das últimas décadas, as elites portuguesas convenceram-se que a União Europeia lhes resolveria todos os problemas, a nível financeiro, da inovação e dos mercados. Por isso, negligenciou-se o pensamento estratégico. E, na ausência de estratégia, inviabilizou-se a construção de um projeto coletivo assente na sustentabilidade e competitividade da economia.

Com igual leviandade é frequente confundirem-se os instrumentos com a estratégia, os meios com os fins. Isso tem sucedido ao longo do tempo e nada nos garante que não seja esse o caminho que estejamos a trilhar.

É certo que se deram passos importantes nos últimos 15 anos, com progressos notáveis, nomeadamente em relação a indicadores críticos associados à inovação, à tecnologia e ao conhecimento. A balança tecnológica passou a presentar saldos positivos nos últimos anos. Criaram-se empresas de elevado nível tecnológico, algumas delas a partir de spin offfs universitários, o que era muito pouco frequente na nossa sociedade. O próprio European Innovation Scoreboard da União Europeia reconhece esse progresso ao considerar-nos como “país moderadamente inovador”. Houve uma injeção de capital intelectual bastante significativa, como há muito não se verificava em Portugal, mas que pode não se traduzir em ganhos substantivos ao nível da cadeia de valor da economia, e no crescimento do PIB, se para tanto não existir inteligência económica para o difundir no tecido empresarial.

Tornou-se, por isso, frequente exibir tais progressos, traduzidos no exercício de benchmarking (que é muito útil como instrumento analítico e de ação), confundindo-os com a própria estratégia. Pior do que isso, poderá suceder, caso se pretenda que o programa de assistência financeira negociado com a Troika, que, no essencial, é um programa de consolidação das finanças públicas e de proteção dos credores externos, seja a estratégia para a economia e para o país.

Se assim for, a fatura a pagar será elevada, com os inevitáveis custos coletivos para a economia, para a sociedade portuguesa e para a qualidade de vida dos portugueses. Façamos o paralelismo com uma empresa: num contexto de crise, a maioria são impelidas a implementar programas de redução de custos muito rigorosos, mas, todas sabem, também, que para sobreviverem e se afirmarem necessitam de uma estratégia e de um programa para dinamizar o negócio devidamente focalizado. Na ausência deste segue-se a falência e o fecho. Um país é naturalmente mais complexo do que uma empresa, mas o paralelismo tem muitos pontos de semelhança. É indiscutível que Portugal tem que implementar um programa de consolidação das contas públicas muito rigoroso. 

Mas, isso é apenas a condição necessária, pois, se não existir uma estratégia – a condição suficiente -, traduzida numa política económica e num programa para dinamizar a economia, seguramente rigorosos e mais focalizados, certamente que o país não vai fechar, mas vai seguramente definhar. É isso que importa contrariar, investindo na “inteligência económica e estratégica” para valorizar os ativos (tangíveis e intangíveis) que Portugal dispõe, e forjar as alianças e parcerias que lhe permitem reposicionar-se na globalização.

Chegados a este ponto, importa questionar as razões da dificuldade em desenhar e implementar uma estratégia e um projecto coletivo, traduzido numa visão e numa ambição para o país, partilhada pelos agentes económicos, políticos e sociais. Refira-se que várias economias europeias, da nossa dimensão, experimentaram crises profundas na sua história recente, como foi o caso da Finlândia, que no final dos anos oitenta viu o seu PIB cair a pique e desmoronarem-se as bases em que assentava a sua economia. Isso não impediu que os principiais agentes económicos (particularmente da comunidade empresarial), políticos (o governo em primeiro lugar), sociais (com destaque para a comunidade sindical) e a comunidade do saber (particularmente as universidades), tivessem conseguido um consenso estratégico para relançar as bases de um novo modelo económico, permitindo em poucos anos que a Finlândia se reafirmasse competitivamente. Outros exemplos semelhantes poderiam ser dados, em relação à Suécia, Irlanda, Holanda, entre outros.

Dinamizar a Hélice tripla: governo, indústria, universidade

Em Portugal, o problema está, pois, na incapacidade de se forjar (no passado e porventura no presente) um entendimento estratégico em torno de uma hélice tripla: governo (o Estado e as suas instituições); indústria (em sentido amplo, isto é todos os sectores da economia); e, a universidade (os centros de saber, particularmente as instituições de educação, ciência e tecnologia). E, na verdade, a riqueza e as vantagens competitivas das Nações, na nova era global, assentam cada vez mais na interacção, na dinâmica e na inteligência em torno desta hélice tripla. É com inteligência económica e estratégica que esta hélice tripla pode ser instrumentalizada e dinamizada para potenciar uma nova visão e uma nova ambição para a economia portuguesa e para Portugal. Estamos a falar na necessidade de valorizar os nossos recursos, assim como a informação e o conhecimento atinente aos mercados, as parcerias e as redes de conhecimento que as suportam e permitem agir proactivamente, os mecanismos de influência, em particular a diplomacia económica, a gestão da percepção, da inovação e do conhecimento, enfim uma estratégia de poder para nos reposicionarmos na globalização.

Esta é a base instrumental que nos permite dar corpo ao desígnio nacional de “alargar e enriquecer a carteira de actividades, bens e serviços transaccionáveis com que nos afirmamos perante a globalização”. Significa, entre outros aspectos, que temos forçosamente de alterar o peso dos bens e serviços exportáveis, atualmente da ordem cerca de 31,5 % para valores bastante acima dos 40% do PIB. Refira-se que todas as pequenas economias abertas e competitivas na Europa apresentam valores acima dos 50% do PIB.

Para que Portugal possa fazer desta crise uma oportunidade para implementar as transformações estruturais de que carece, e voltar a crescer em novos moldes tem que organizar, como muito bem sintetiza um dos mais prestigiados economistas, Félix Ribeiro, uma “campanha coletiva” à internacionalização e globalização, o que traduz uma mudança cultural de elevado alcance. Não pode crescer mantendo o seu foco exclusivamente no que já se exporta a partir de Portugal nem manter uma fixação absoluta na Europa, fazendo mais do mesmo. A presença atual de Portugal nos mercados internacionais é muito vulnerável à concorrência das grandes economias emergentes e a cada vez maior número de economias em desenvolvimento. Por isso tem que diversificar, inovar e subir na cadeia de valor para poder exportar de forma sustentável.

Atrair Investimento Estrangeiro

Nessa campanha à descoberta de novas funções, novos mercados, novas atividades e novas maneiras de realizar as atividades e de olhar o mundo, onde acumulou competências, o investimento direto estrangeiro (IDE), e particularmente as empresas multinacionais, é não só indispensável como permite fornecer escala em atividades que tenham forte procura internacional, empreguem  recursos humanos qualificados e permitam a Portugal posicionar-se  nas respetivas cadeias de valor. Enquanto isso, as PME e as start ups inovadoras fornecerão a variedade. Escala e variedade são as duas componentes chave numa vaga de internacionalização para que seja célere nos efeitos e ponderada no evitar dependência exclusiva de um número restrito de grandes operadores e países. Naturalmente que a atração de investimento direto estrangeiro (IDE) devidamente articulado com os pólos de competitividade na economia portuguesa, constitui também a melhor via para se valorizarem os talentos e o conhecimento que foram incorporados na sociedade portuguesa nos últimos quinze a vinte anos numa escala sem precedentes. Refira-se que não existe na história portuguesa recente nenhuma vaga exportadora que não tivesse sido estimulada por uma forte atratividade de IDE.

Reposicionar-se na Globalização significa também estreitar relações de comércio, de investimento, de financiamento, e de transferência de tecnologia com países, regiões e operadores globais que permitam a Portugal:

·         Aprofundar as relações com o Atlântico Sul e dinamizar a CPLP, mediante uma política de valorização da língua portuguesa, aproveitando o potencial de oportunidades que o “mundo de expressão portuguesa”  por si só confere, mas também as que resultarem da aproximação deste com  o “ mundo anglo-saxónico”, consolidando assim redes mundiais transversais de conhecimento que permitem maximizar a autonomia regional dos países que nelas se envolvem;
·         Reforçar o relacionamento com as economias mais exigentes e desenvolvidas, como é ocaso dos estados Unidos e dos países da NAFTA de um modo geral, bem como uma maior diversificação das nossas relações a nível intra-europeu, excessivamente concentradas em quatro países;
·         Atrair investimentos que absorvam capital humano altamente qualificado e, e/ou permitam qualificar uma mão de obra jovem e escolarizada, mas sem qualificação significativa;
·         Atrair investimentos para a valorização da posição geográfica portuguesa, com uma aposta na conectividade internacional, permitindo a Portugal desempenhar funções de interface, ou de plataforma, entre grandes regiões da economia mundial (Europa e Ásia; Europa e América do Norte, Europa e Atlântico Sul).

Valorizar os Ativos de Base e Estratégicos

Para esse reposicionamento na economia global, Portugal dispõe de um conjunto de Activos de Base e Estratégicos que importa saber valorizar:

·         Uma língua universal que no entender de J. Nascimento Rodrigues abrange diversos espaços do mundo, bem como a pertença à comunidade atlântica e o portfolio de conhecimento de mais de 500 anos com três dos BRIC e com o conjunto dos CIBS [China, Rússia, Brasil e Africa do sul], que constitui uma das mais-valias portuguesas, que poderá ser transformado em elemento diferenciador de Portugal no projeto europeu;
·         Uma posição geográfica periférica na Europa mas localizada no Atlântico quando o Mediterrâneo/Médio Oriente podem caminhar para um período de instabilidade, e nesta perspetiva euro-atlântica, Portugal ocupa uma posição central, que pode e deve potenciar;
·         Recursos humanos e instituições de ensino superior e de investigação que se foram desenvolvendo nas últimas duas décadas naquele que foi o maior investimento em capital intelectual em Ciência e Tecnologia  jamais feito nos últimos séculos em Portugal;
·         Uma estrutura de indústrias e serviços suficientemente diversificada para acolher e suportar novas atividades;
·         Recursos naturais, climáticos e ambientais que tornam Portugal atractivo param serviços de acolhimento e lazer, e um território que na sua variedade e património natural e histórico poderia gerar novos produtos ou conceitos no imobiliário residencial e turístico, potenciando o cluster turismo-lazer; 
·         Um território urbano bem equipado e que em várias cidades já oferecem condições de vida muito atraentes, estando dotadas de infra-estruturas de saúde, educação, lazer, telecomunicações e acessibilidades;
·          Um território rural, hoje em muitas zonas relativamente abandonado, que pode ainda ser recuperado para algumas funções agrícolas, juntando inovação e tradição;
·         Um espaço oceânico em fase de expansão territorial que permite avaliar, desenvolver e explorar no futuro recursos energéticos, minerais e biológicos de grande valor, investindo estrategicamente no hipercluster potencial da economia do mar.
·         Abundância e diversidade relativas de recursos minerais, incluindo potencialidades significativas em minerais estratégicos.

Em síntese, a inteligência económica é fundamental para valorizar estes ativos estratégicos evitando o declínio do país e a consequente remissão para um papel e funções marginais no quadro da globalização. É isso que importa contrariar, fazendo jus ao que Barry Hatton  refere sobre os portugueses: “um país que luta com touros para se divertir nunca poderá desaparecer”. E, para isso, é fundamental que exista um espaço de entendimento estratégico em torno de uma visão de futuro, para que a estes Ativos de Base e Estratégicos se acrescentem os fatores de atratividade resultantes de uma política económica devidamente focalizada e de reformas estruturais inadiáveis. Se assim for, Portugal revelar-se-á, de novo, com novos alicerces baseados numa economia mais internacionalizada, mais competitiva e mais inovadora.

André Magrinho
Professor Universitário
2012.03.20

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